Clique para exibir o slide.No Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, 29 de agosto, a campanha da ONU Livres & Iguais lança vídeo e cards para as redes sociais com mensagens especiais para a data, celebrando as diversas identidades das mulheres lésbicas.
Em celebração realizada nesta quinta-feira (29) na Casa da ONU, em Brasília (DF), a Livres & Iguais recebe representantes de governos, sociedade civil, ativistas e comunidade diplomática para fomentar uma conversa sobre gênero, raça, etnia, classe, idade, religião e deficiência, entre outros elementos que moldam as experiências de vida e afetam de modo distinto a garantia dos direitos humanos e tratamento justo dessa população.
Explorando o tema “Sem medo de ser feliz”, a campanha das Nações Unidas se une às mulheres lésbicas e convoca todos os governos e toda a sociedade a construir um mundo onde ninguém precise ter medo de sofrer violência ou discriminação por conta de sua orientação sexual. Como afirma Talita Tavares, do programa do governo do estado do Rio de Janeiro “Rio Sem Homofobia”, a visibilidade lésbica “tem tudo a ver com direitos humanos”. “A gente está falando do direito de ir à padaria comprar pão sem ser atacada. A nossa vida está em risco a todo momento”, declarou.
Confira abaixo as entrevistas que a Livres & Iguais realizou com várias mulheres para entender o que significa ser lésbica nos dias atuais, quais os principais desafios enfrentados por essa população e o que é necessário para que os direitos humanos dessas mulheres sejam plenamente respeitados.
O que significa ser lésbica nos dias atuais?
Quais são os principais desafios enfrentados por essa população? O que é necessário para que os direitos humanos dessas mulheres sejam plenamente respeitados? Essas são perguntas para as quais não há resposta única.
Enquanto movimento social, a identidade lésbica foi construída ao longo dos anos a partir de obstáculos, desafios e demandas por direitos cujo ponto em comum remonta à violência e à discriminação com base na orientação sexual. Historicamente, as narrativas em torno dessa pergunta também reproduziram outras desigualdades, por exemplo, privilegiando as experiências de mulheres brancas ou de classe alta, em detrimento das demandas de lésbicas negras ou idosas.
Entender quem são as mulheres lésbicas em toda a sua diversidade, quais são suas vivências e que formas de violência e discriminação elas sofrem requer seguir um fio comum que pode costurar retalhos de histórias, trajetórias e realidades de vida distintas.
Lara Lopes é uma engenheira de dados originária de Moçambique, onde relações consensuais entre adultos do mesmo gênero eram criminalizadas até 2015. Ela chegou a sofrer agressões na rua e ser detida por conta da sua orientação sexual. Em 2013, Lara chegou ao Brasil, onde é uma das centenas de pessoas que solicitaram proteção internacional do refúgio ao governo brasileiro por conta de orientação sexual ou identidade de gênero.
“O Brasil resgatou em mim a possibilidade de eu ser alguém e de poder ter uma vida normal, o que não acontecia no meu país, onde sofria todo tipo de preconceito e agressões por ser lésbica. Se hoje sou refugiada foi porque busquei minha liberdade como pessoa LGBTI, porém, não é fácil ter esse status porque muitos não entendem e criam certos estigmas para nos diferenciar”, declarou.
Michele Seixas é moradora de uma das maiores favelas da América Latina, o Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Assim como Lara, ela é também uma mulher negra, cuja experiência como lésbica é atravessada pelo racismo. “Ser negra é sentir na pele os efeitos do racismo antes mesmo da lesbofobia”, disse. “O racismo é estrutural e faz com que nós, lésbicas negras, soframos os efeitos da escravização até os dias de hoje”.
As intersecções entre orientação sexual e raça não se resumem a um local de opressão e vitimização. Ser uma mulher lésbica negra é também uma identidade de resistência e uma chance de desarticular preconceitos. Para Maiara Lopes, ser lésbica e mulher negra é desconstruir toda um sociedade machista, homofóbica, patriarcal, lesbofóbica e racista. Para ela, ser uma lésbica negra é “quebrar todos os tipos de preconceitos, mostrando que mulheres pretas estão se amando, sendo felizes, construindo suas famílias”.
Tanto para Maiara quanto para Michele, quebrar preconceitos e construir novas possibilidades de vida vêm do encontro com outras mulheres. “Como forma de resistência, (precisamos) cada vez mais aquilombar as lésbicas negras”, afirmou Michele. A poesia, a arte e a participação em espaços coletivos de mulheres foram formas que Maiara encontrou para desconstruir o preconceito e se fortalecer.
Compartilhando angústias e vitórias, essas mulheres conseguem conquistar espaços para exercer a liberdade e serem quem são, sem medo. “Desde que decidi sair de Moçambique e me refugiar aqui no Brasil, consigo falar sobre tudo o que vivo, consigo contar minha história sem medo. Hoje posso me vestir do jeito que gosto”, contou Lara.
Rosângela Castro é também uma mulher lésbica que enfrenta as consequências do racismo todos os dias. Diante de tantas desigualdades, Rosângela encontrou na religião uma fonte de resistência e fortalecimento. “Vim ser religiosa no Candomblé por ser lésbica. O Candomblé vê o indivíduo como um todo, independente de classe social, raça, orientação sexual ou identidade de gênero. É a religião que acolhe toda a comunidade LGBT”.
Ainda assim, professar uma fé de matriz africana pode ser mais um motivo de discriminação, como nota Beatriz Fernandes. “Tornar-se uma pessoa que vive numa cosmologia de matrizes africana me trouxe mais um estigma social. Ao mesmo tempo, essa outra forma de vivenciar, de estar com a terra, com o outro e consigo aparta um pouco do peso de ser uma mulher preta que ama outras mulheres pretas.”
Altamira Simões narra uma experiência similar. “Ser lésbica já nos põe numa situação de estigmas negativos. Ser lésbica, negra e de matriz africana nos coloca como alvo de todas as formas de preconceitos e violações, tornando nossa existência altamente vulnerabilizada e perigosa”, declarou.
Para ela, o acúmulo de diferentes formas de discriminação tem o efeito de tornar públicas questões que, a princípio, seriam consideradas “privadas”, como o exercício da sexualidade. “Por conta disso, nossa vida privada se torna pública, interferindo nas relações sociais, impactando, negativamente, inclusive em espaços que deveriam ser de proteção e sobrevivência, como o trabalho”.
Ainda assim, “o feminismo negro, antirracista, com seus princípios fundamentados no afeto e no autocuidado, nos possibilita uma existência e resistência contínua, ainda que no caminho alguma de nós tombe”, disse Altamira.
Para Amanda Gondim, a identidade de mulher lésbica está entremeada por um outro elemento: a deficiência sensorial. “O processo todo da perda gradativa da visão me trouxe um novo mundo, algo completamente diferente do que eu me via inserida”.
De acordo com ela, “são inúmeras as formas discriminatórias e vexatórias com as quais as pessoas tratam a mulher deficiente. (…) Dentro do capacitismo cotidiano, que é a forma de preconceito e discriminação que as pessoas com deficiência são bombardeadas o tempo todo pela nossa cultura, acaba sendo um grande desafio ser lésbica e deficiente, a visão acaba sendo um dos sentidos sensoriais principais na percepção da realidade à nossa volta”.
Tornar-se deficiente visual levou Amanda a descobrir novas formas de viver sua sexualidade. “A sexualidade é muito mais que um sentido a ser explorado e se desenvolve de outras formas, através de audição, tato, olfato, personalidade e conexão. É uma nova forma de perceber a realidade. A questão são os preconceitos e desinformação generalizada”.
Outro tema cercado de desinformação e preconceitos é o envelhecimento das mulheres lésbicas. Aos 60 anos, a historiadora e ativista Heliana Hemetério disse que “há vários aspectos a serem abordados sobre lesbianidade e envelhecimento, inclusive o recorte racial e econômico”. “Caberia um debate, porque as políticas públicas de saúde da população idosa não incluem orientação sexual e identidade de gênero”, disse.
“Ser uma lésbica de 60 anos é ser uma lésbica que envelhece, como toda mulher. Porém, esse envelhecimento depende da maneira como você se coloca enquanto lésbica no mundo. Eu não me queria me tornar uma lésbica ‘velha’, e sim ser uma mulher que envelhece”.
Para Heliana, conversar sobre orientação sexual na velhice é muito importante, pois, devido aos estigmas e preconceitos, “muitas lésbicas saem de casa e vivem a maior parte de suas vidas longe da família”. “Elas podem estar em relações estáveis na velhice ou estar sozinhas. Essa solidão pode se tornar, sem dúvida, agravante dos problemas de envelhecimento, acarretando depressão”.
Já a estudante de Letras Eduarda Tuxá chamou atenção para outra interseção de identidades como mulher lésbica e indígena. De acordo com Eduarda, a orientação sexual ainda é um tema pouco abordado, pois “muitos povos negam que existam pessoas LGBT em suas comunidades”. “Instaurou-se o mito de que o indígena LGBT é um indígena que ‘se aculturou’. Criou-se a ideia de que a homossexualidade é uma coisa que o índio aprendeu com o não índio e que por isso envergonha a comunidade e por isso a nossa existência é negada”.
No entanto, as pesquisas realizadas por Eduarda apontam justamente para o contrário. “A pergunta que eu me fiz foi por que o meu povo rechaçava sujeitos como eu, que fugiam do padrão heterossexual? Em minha cultura, nos nossos rituais, por exemplo, não há nenhuma orientação nesse sentido. Pelo contrário, aprendemos que todos somos iguais”, afirmou.
Estudando e aprendendo sobre suas raízes, Eduarda pôde identificar a relação entre colonização e discriminação contra relações consensuais entre pessoas adultas do mesmo gênero, que ocorreu não só no Brasil, mas também em diversas outras colônias nas Américas, na África e na Ásia. Em alguns casos, leis originárias do período colonial levaram à criminalização e até mesmo à pena de morte. Até hoje, pelo menos cinco países ainda punem com pena de morte pessoas que se envolvem em relações consensuais com adultos do mesmo gênero.
Veja mapa contando essa história aqui.
“Foi remexendo na história do meu povo e lendo uma coisa aqui e outra ali que fui abrindo os olhos para entender o funcionamento dessa estrutura colonialista que objetiva controlar não apenas nossas mentes, mas nossos corpos e sexualidades.”
Diante disso, Eduarda hoje faz parte da Tibira, uma mídia social que promove o diálogo e a conexão entre indígenas LGBTI, para que cada um possa criar suas próprias estratégias sobre como falar sobre orientação sexual e identidade de gênero nas suas comunidades, considerando as especificidades de cada povo. O nome da rede faz referência a um personagem real, o indígena tupinambá Tibira, executado no século 17 no Maranhão por sua orientação sexual.
“Não podemos utilizar as estratégias dos não indígenas e trazer para dentro das nossas comunidades como um molde perfeito. Acredito que devemos buscar construir nossas estratégias dentro das especificidades de nossos povos, respeitando o tempo dos mais velhos e de cada comunidade.”
Raíssa Cabral tem uma trajetória diferente das outras entrevistadas. Ela é uma mulher lésbica e trans. “Ser lésbica implica, acima de qualquer coisa, me reconhecer enquanto uma mulher que ama outras mulheres . Ser uma lésbica trans significa que a vivência desse tipo de amor foi se construindo a partir de um corpo que não foi designado enquanto do ‘sexo feminino’ ao nascer”, disse.
“É necessário ser dito que a construção de afetividades entre mulheres segue sendo algo revolucionário. Enquanto mulher trans, ser amada por outras mulheres também veio me construindo enquanto um processo de cura, reconhecimento e autoaceitação.”
Raíssa resume bem o que a palavra “interseccionalidade” significa quando pensamos nas diversas identidades lésbicas. “A lesbianidade não é um universo no qual somos todas iguais apenas por sermos mulheres, mas uma miríade de diferenças, dentro da qual nossas afetividades funcionam como uma ponte, para que essas diferenças possam, em vez de resultar em hierarquia, poder, ser vividas como algo positivo, celebratório, que nos aproxime ao invés de nos afastar”.
O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica
O Dia Nacional da Visibilidade Lésbica foi criado em 1996 no Rio de Janeiro, durante o 1º Seminário Nacional de Lésbicas (o SENALE, atualmente SENALESBI – Seminário Nacional de Lésbicas e mulheres Bissexuais). O objetivo da data é chamar atenção para os desafios enfrentados para a concretização dos direitos humanos de lésbicas.
Livres & Iguais
A Livres & Iguais é uma iniciativa sem precedentes para a promoção da igualdade de direitos e tratamento justo de lésbicas, gays, bissexuais, pessoas trans e intersexo (LGBTI).
Projeto do Escritório das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a campanha sensibiliza sobre a violência com base em orientação sexual, identidade e expressão de gênero e/ou características sexuais, e promove o respeito aos direitos de pessoas LGBTI em todos o mundo.
Anualmente, campanha engaja milhões de pessoas em todo o planeta em conversas que ajudam a promover o tratamento justo a pessoas LGBTI e a gerar apoio a medidas para proteger os seus direitos.
Para saber mais sobre a campanha, clique aqui.
Confira também os materiais lançados pela campanha na Visibilidade Lésbica nos anos anteriores:
ONU celebra Dia da Visibilidade Lésbica com campanha sobre direitos sexuais e reprodutivosONU e parceiras promovem roda de conversa online para o Dia Nacional da Visibilidade LésbicaONU pede mais visibilidade para lésbicas e bissexuais e reconhecimento de famílias de todos os tipos
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