Roberto Castello Branco - Não há ativos inegociáveis na Petrobras
Roberto Castello Branco - Não há ativos inegociáveis na Petrobras
Por Rodrigo Polito, André Ramalho e Francisco Góes
publicado Valor 07 Fev 2019
Um mês depois da sua posse como presidente da Petrobras, o economista Roberto Castello Branco identifica três prioridades de sua gestão: a venda de ativos, a redução de custos e a desalavancagem. "Não existe nada inegociável, tudo depende do preço", disse o executivo. BR, Braskem e o parque de refino da companhia estão na lista de potenciais desinvestimentos. Ele faz, porém, uma ressalva: "Tenho paixão por ativos de classe mundial.
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O pré-sal é uma paixão." Em entrevista ao Valor, ontem, em seu gabinete, na sede da empresa, no centro do Rio, Castello Branco também disse que espera chegar até o fim do mês a um entendimento com o governo sobre a negociação do contrato da cessão onerosa. Por esse contrato, em 2010, a União cedeu à Petrobras o direito de produzir até 5 bilhões de barris no pré-sal como parte da capitalização da empresa. O acordo entre as partes deve destravar a realização do leilão dos excedentes da cessão onerosa (volumes descobertos que ultrapassam os 5 bilhões de barris).
Castello Branco disse que o leilão deve ocorrer até fim deste ano. Veja a seguir os principais trechos da entrevista. Leia mais 1. Petrobras pretende rever dividendos trimestrais Valor: Passado um mês da sua posse, é possível ter um diagnóstico da Petrobras, o que deve mudar? Roberto Castello Branco: A Petrobras viveu duas crises: uma crise moral e uma crise de dívida. Eu estive presente aqui [como conselheiro] de maio de 2015 até abril de 2016, e vivenciei isso.
O período posterior, de 2016 até 2018, foi de superação dessas crises. E a Petrobras conseguiucrescer. A crise moral e a crise de dívida foram superadas. Foi aprovada uma estratégia e um plano de negócios, com os quais eu concordo em termos gerais. Mas precisamos reconhecer que essa companhia tem como força a qualidade do seu corpo técnico. É uma companhia que tem um conhecimento nato sobre exploração e produção de petróleo como poucas têm no mundo, tecnologia avançada e a prova disso é o pré-sal.
O pré-sal é, indiscutivelmente, um ativo de classe mundial. Por outro lado, a companhia é muito endividada. Companhias produtoras de commodities minerais têm que ter uma alavancagem muito baixa e custos operacionais baixos porque seus produtos estão expostos à volatilidade dos preços dos produtos, que implica volatilidade nos fluxos de caixa. Tem que se estar sempre preparado para os maus momentos. A melhor maneira de estar preparado para a volatilidade de baixa é ter baixa alavancagem e custos baixos.
Valor: Qual é o nível de desalavancagem adequado?
Castello Branco: A experiência indica uma alavancagem de dívida bruta versus Ebitda de uma vez e meia. Estamos trabalhando para sobreviver bem com um preço médio do petróleo Brent a US$ 50 por barril. A Petrobras é uma empresa diversificada, não é só uma empresa de produção e exploração de petróleo. Temos que escolher os ativos que somos o dono natural, o que significa explorar o que você sabe fazer bem. O exemplo típico é o pré-sal. A Petrobras é o líder inconteste em exploração e produção de petróleo em águas ultraprofundas. Tem outros ativos nos quais não somos o dono natural, então temos que selecionar esses ativos com uma visão estratégica, não apenas olhando o aspecto financeiro desalavancar, mas também de criação de valor para o acionista. Bato nesse ponto porque a Petrobras passou do vermelho para o azul contabilmente, tem lucro contábil, mas não gera lucro econômico, um lucro que remunere o capital dos acionistas.
Valor: Vai acelerar mais então os desinvestimentos? O plano atual prevê venda de quase US$ 27 bilhões até 2023.
Castello Branco: É a programação, muito específico, US$ 26,9 bilhões. Não sei se vai ser mais. Depende das condições do mercado. Eu posso considerar que [um ativo] vale x bilhões de dólares. Pode ser que o mercado me diga: 'Olha, vale menos ou então vale até mais'. Um caso típico são os campos maduros de petróleo. Certos ativos são muito pequenos para uma companhia do porte da Petrobras e, portanto, não temos foco neles. São campos maduros, que produzem muito pouco, como os campos terrestres, 16 barris por dia. O importante é que os desinvestimentos são uma das prioridades tanto que coloquei o grupo de desinvestimento e gestão de portfólio se reportando a mim.
Valor: Mas este é um ano-chave para acelerar o desinvestimento?
Castello Branco: Os dois próximos anos serão muito importantes porque as transações, mesmo que se acelerem, pela própria natureza, pelo volume significativo de recursos envolvidos, têm certo tempo para serem concretizadas. Outra prioridade é a redução de custos, que tem que ser uma atividade permanente. Dizem que custo é como unha: cresce sempre e tem que estar sempre cortando. Temos que mudar processos, e aí vem um item muito importante que é a transformação digital. Temos que utilizar a digitalização de forma intensiva, usar a inteligência artificial não são nas nossas operações, mas também nas atividades corporativas. Há um potencial enorme para redução de custos e aumento da eficiência. Um sinal de quanto isso é importante para nós foi o convite feito ao professor Nivio Ziviani para integrar o nosso conselho. Ele é um acadêmico de reconhecimento internacional, uma autoridade em algoritmos e inteligência artificial e também um empreendedor bem-sucedido. "Estamos trabalhando para sobreviver bem com um preço médio do petróleo Brent a US$ 50 por barril"
Valor: A Petrobras tem traçada uma meta de redução de custos?
Castello Branco: Ainda estamos trabalhando nisso. Existe também uma iniciativa de simplificação do processo decisório, de mudanças de processos de aprovações. A companhia tinha uma governança muito fraca. Não existia modelo de 'compliance', de integridade. Houve uma 'over reaction' [exagero]. Passou a se controlar tudo, isso resultou em ineficiência. Limitamos as alçadas da diretoria, criamos uma série de controles. Isso é um tratamento apropriado para uma questão emergencial. Temos que ter um processo mais ágil, mais leve, sem que isso implique em enfraquecer a governança.
Valor: A venda das refinarias tem sido feita em diálogo com o CADE?
Castello Branco: Vamos estruturar de forma independente e o CADE vai julgar ou não se é adequado quando fizermos a transação. Não é o papel do CADE servir de consultor da companhia. Achamos muito tímido [o programa original de venda de refinarias]. Não queremos simplesmente transmitir um monopólio de uma empresa estatal para a iniciativa privada. Queremos concorrência. Vamos estudar quais ativos vamos vender, como vamos estruturar [o desinvestimento]. Isso está sob análise e é uma das prioridades.
Valor: Há refinaria inegociável?
Castello Branco: Não existe nada inegociável, tudo depende do preço. Não tenho paixão por nenhum ativo. Aliás, tenho paixão por ativos de classe mundial. Esses [ativos] devem ser a nossa paixão. O pré-sal, por exemplo, é uma paixão. Não temos apego a ativos. O setor de petroquímica não é para nós um 'core'. Pelo acordo de acionistas da Braskem, estamos no banco traseiro. Ela [LyondellBasell] é obrigada a nos oferecer o mesmo preço, estender a oferta. Vamos decidir se vai ser interessante para a Petrobras ou não. Queremos sair da petroquímica, mas não a qualquer preço. Valor: A Petrobras pode manter uma fatia na Braskem? Castello Branco: É uma situação que ou é zero ou é cem. Se decidirmos vender, não interessa manter uma participação pequena.
Valor: Nem vir a receber pagamento em ações da LyondellBasell?
Castello Branco: Não somos fundo de investimento, mas uma exploradora e produtora de óleo.
Valor: Do ponto de vista estratégico, já está batido o martelo de que a Braskem será vendida?
Castello Branco: Estrategicamente está definida [a saída da petroquímica], é uma questão de preço. Se recebermos uma boa proposta, por que não? Se fizerem uma proposta que não atenda nossos interesses, lamentamos e esperamos uma outra ocasião. Valor: A Petrobras pretende vender o controle da BR Distribuidora? Castello Branco: A BR é um ativo que está sendo analisado também. Quando se vende uma participação minoritária em uma empresa de controle estatal, vende-se essa participação com um desconto. Há espaço para analisar bem a questão da BR. Não é um 'core business', uma competência da Petrobras. É um negócio comercial, em grande parte varejo, uma grande rede de lojas. Estamos analisando a venda do controle ou de uma participação adicional. Estamos estudando as várias opções. Acreditamos que no primeiro semestre podemos ter uma definição, tanto em relação às refinarias quanto à BR. "Temos que ter um processo interno de decisão mais ágil sem enfraquecer a governança" Valor: Um assunto importante também é a cessão onerosa, que envolve os interesses da empresa, mas também uma questão fiscal. Castello Branco: Estamos perfeitamente alinhados com o governo de que a negociação da cessão onerosa não é uma questão fiscal, é uma questão de desenvolvimento da indústria de petróleo no Brasil. O mais importante é que tenha o leilão dos excedentes das reservas da cessão onerosa. É realmente um contrato complexo. Foi uma jabuticaba, não existe no mundo nada semelhante. Eventualmente o governo, as contas públicas, deverão se beneficiar, recebendo recursos pelo leilão dos excedentes.
Valor: O pagamento à Petrobras será feito em dinheiro ou barril?
Castello Branco: Isso é secundário, vamos discutir isso depois. O importante é ter as condições necessárias para a realização do leilão dos excedentes. É um modelo complexo, há bastantes variáveis, existem técnicos avaliando as diferentes hipóteses... [As projeções feitas pelos bancos] São puro chute. Não existe isso [número definido]. São especulações. Valor: O leilão dos excedentes poderá ser feito sem um acordo final entre Petrobras e a União? Castello Branco: Não está definido ainda, mas repito: nossa prioridade é que tenhamos uma realização do leilão até fim deste ano. Porque todos nós vamos nos beneficiar. A Petrobras, o governo, os Estados. Temos o direito de analisar e a opção de participar ou não [do leilão]. Vamos definir também.
Valor: As conversas com a União têm sido duras?
Castello Branco: Não, as conversas têm sido bastante amigáveis. Uma das coisas boas resultantes da decisão de se nomear pessoas por critérios técnicos [para cargos públicos] é que existe uma convergência de interesses e objetivos, tanto da parte do Ministério da Economia como das Minas e Energia e da Petrobras. O objetivo é um só: ajudar a mudar o Brasil e ter um Brasil melhor, desenvolvendo, no caso, a indústria do petróleo.
Valor: Há prazo para conclusão das negociações com a União?
Castello Branco: Estamos acelerando, porque o objetivo é finalizar isso até o fim de fevereiro, um acordo para que o governo possa anunciar um leilão [dos excedentes]. Talvez até o fim deste mês. A expectativa é essa. Mas isso não cabe a mim. O Ministério de Minas e Energia é que conduz o processo, somos apenas parte.
Valor: Como tem sido a relação com os militares no MME e na Petrobras?
Castello Branco: Tem sido muito bom. É sempre bom ter um diálogo com pessoas inteligentes, sejam elas militares, civis, homem, mulher. Porque são pessoas muito bem qualificadas. São pessoas que, para chegar ao topo da carreira, passaram por um processo meritocrático. Eles não chegaram a essa posição indicados por políticos. Para ser um general, um almirante, você tem que ter treinado e exercer funções de liderança, de gestão de pessoas, de gestão de ativos, ter visão estratégica. Nós estamos muito confortáveis. Se criou um mito a respeito dos militares, mas os militares que eu lido hoje em dia são pessoas muito bem preparadas.
Valor: Se temeu uma ingerência do MME na Petrobras pelo fato de o ministro Bento Albuquerque ter solicitado um gabinete na empresa.
Castello Branco: Não (risos). Ele passou uma tarde aqui nesse prédio. E eu nem estava aqui. Estava lá na rua do Senado. Foi uma especulação em torno de nada. Eu fui completamente livre para escolher os diretores que eu queria, gerentes. Não recebi um pedido "coloca o fulano de tal". Absolutamente nada. Nenhuma interferência, seja de quem for. Valor: Há espaço para diluição da fatia do Estado na Petrobras? Castello Branco: Não. Por enquanto, isso não está sobre a mesa. O meu mandato é administrar a Petrobras de forma que ela se torne uma companhia saudável, que gere muito valor. Porque existem alguns exemplos de empresas estatais que são muito boas. Já que não há nenhuma disposição em privatizar a Petrobras, temos um mandato para administrá-la da melhor forma possível.
Valor: Qual é a previsão de investimentos da empresa para 2019?
Castello Branco: São US$ 16 bilhões. Evidentemente esse número pode sofrer alteração dado a participação nos leilões
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