Vítimas do conflito na Síria são tratadas em hospitais do 'inimigo' Israel
Atualizado em 26 de novembro, 2013 - 07:43 (Brasília) 09:43 GMT
Na maternidade do hospital Rebecca Sieff, na cidade de Safed, no norte de Israel, os partos parecem um milagre menor.
No dia que a equipe da BBC visitou o local,
havia ali um recém-nascido que, entre outros bebês, terá, um dia, uma
grande história para contar - isso se seus pais decidirem compartilhá-la
com ele.O nome de sua mãe ou qualquer outra informação pessoal que possa identificá-la também não pôde ser divulgado.
A mulher parecia cansada, mas feliz quando nós a conhecemos. Rapidamente, elogiou a bondade da equipe médica israelense que a havia tratado.
Ela já estava em trabalho de parto quando se dirigiu a uma maternidade em seu vilarejo natal na Síria, mas foi informada de que não poderia ser hospitalizada no local.
Preocupado, seu marido sabia que seria possível tratá-la em Israel. O casal, então, começou uma corrida contra o tempo em direção à fronteira entre os dois países.
Ela foi levada a um ponto dentro do território sírio onde pôde ser vista por soldados israelenses patrulhando a cerca que marca a velha linha de cessar-fogo entre os dois países.
Uma ambulância militar a levou, então, para o hospital – e ali seu parto foi feito a tempo.
Transferência
"Alguns relacionamentos floresceram entre a equipe médica e nossos pacientes. Muitos deles expressam gratidão e o desejo pela paz entre os dois países"
Oscar Embon, diretor do Hospital Rebecca Sieff
Ela foi a 177ª pessoa a cumprir essa jornada, no que já se tornou uma das mais extraordinárias subtramas da agonizante guerra civil no país governado por Bashar al-Assad.
Síria e Israel são arqui-inimigos declarados. Um estado de guerra existe entre os dois países há décadas.
Apesar disso, desde que as primeiras vítimas do conflito na Síria começaram a ser tratadas em hospitais israelenses nove meses atrás, o sistema informal de transferência de pacientes se tornou tão bem-estabelecido que alguns deles já chegam com cartas de referência escritas por médicos sírios a seus homólogos do outro lado da fronteira.
Dramas humanos
Oscar Embon, diretor do Hospital Rebecca Sieff, afirmou que "alguns relacionamentos floresceram entre a equipe médica e nossos pacientes. Muitos deles expressam gratidão e o desejo pela paz entre os dois países".Os israelenses dizem tratar qualquer um que precise de ajuda. Isso se traduz principalmente por mulheres e crianças, mas também é possível que nesse grupo haja combatentes leais ao presidente da Síria, Bashar al-Assad, ou rebeldes jihadistas que, em outras circunstâncias, atacariam alvos em Israel.
Embon diz que a política de não discriminar entre os doentes e feridos coaduna com o que ele vê como valores de seu país e a ética de sua profissão.
"Não espero que eles se tornem fãs de Israel e embaixadores do nosso país, mas nesse ínterim espero que eles reflitam sobre a experiência deles aqui e sobre o fato de que o governo sírio diz que israelenses e sírios são inimigos", afirmou Embon.
A ajuda de Israel a pacientes sírios esconde interesses políticos, claro – afinal, esse é o Oriente Médio.
Ainda assim, apenas algumas horas dentro do hospital em Safed já são suficientes para se ter uma ideia do tamanho dos dramas humanos que ocorrem ali.
A maioria dos pacientes, no entanto, não vai dizer uma palavra sobre o tratamento – eles têm medo do que pode acontecer caso vaze a informação de que foram tratados em Israel, um país 'inimigo'.
Relações em formação
Uma de suas missões é acalmar os pacientes que ficam em pânico ao se dar conta de que estão sendo tratados em um Estado inimigo.
Faris organiza o que recebe de instituições de caridade, fornecendo aos pacientes artigos de higiene pessoal e escovas de dente.
E também escuta suas histórias.
A rotina de Faris requer relativa frieza para lidar com situações de descontrole emocional – imagine ter de explicar a um menino que perdeu a visão em uma explosão que ele nunca verá novamente. Mas com os pacientes sírios, diz ele, a tarefa é ainda pior, uma vez que eles retornam para casa tão logo são tratados.
E após cruzarem a fronteira para o lado sírio, todo o contato entre as partes será perdido em meio à velha inimizade que opõe os dois países e à sanguinolência da guerra civil.
Faris reconhece que não lida bem com despedidas. As partidas doem para ele tanto quanto para quem se vai, confidenciou à BBC.
Ele aparentava cansaço quando nos encontramos, mas diz que dorme bem sabendo que tem a chance de fazer algo bom.
"Quando pessoas vêm para cá por dois meses", disse ele, "uma relação começa a se construir e ganha força com o tempo. Quando eles voltam para casa, a única parte ruim é que se perde o contato, porque a Síria vê Israel como um inimigo."
Com a escalada da miséria da guerra civil na Síria – e a decadência do sistema de saúde no país – toda semana Faris e a equipe do hospital de Safer recebem novos pacientes e novos problemas.
Os pacientes tratados, por outro lado, não podem comentar abertamente sobre a ajuda que receberam em Israel, sob pena de correrem risco de vida.
Mas, de alguma forma, a notícia de que a ajuda do lado da fronteira existe em meio à famigerada guerra civil indica que o número de sírios em busca de ajuda deve continuar a aumentar.
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