China "conquista" África
Recentemente, uma revista saiu com uma capa
sintomática: o continente africano todo coberto de vermelho com cinco
estrelas da bandeira da China. Foi precisamente assim que a revista
caraterizou a presença da China no continente africano.
O
que leva a China a aumentar sua presença em África? O que dá a política
chinesa ao continente e do que é que os africanos não gostam nela?
Tentamos responder a essas perguntas juntamente com Tatiana Deich,
cientista do Instituto da África da Academia das Ciências da Rússia.
O
início do século XXI ficou marcado pela expansão econômica chinesa em
África, sublinha a cientista russa. Os principais motivos da presença
chinesa em África são controlar fontes de matérias-primas, encontrar
esferas de investimento e novos mercados para escoar os artigos da sua
indústria que se desenvolve impetuosamente:
"A China
lutou sempre com Taiwan pela influência em África. E, no fim do século
passado, uma série de países mantinham relações com Taiwan, outros,
poucos, reforçavam as relações com a China. No início do novo século, a
situação mudou bruscamente: 50 países de África mantêm relações com a
China e apenas 4 países conservam laços com Taiwan. Depois de conseguir a
independência, o Sudão do Sul reconheceu a China. E aí a ajuda que ia
de Taiwan era incomparável com a que a China presta atualmente. A
pequena Gâmbia foi o 51º país africano que estabeleceu laços e relações
com a China. Restam apenas três países: Suazilândia, São Tomé e Príncipe
e Burkina-Faso, que ainda não reconheceram a China e continuam a
cooperar com Taiwan. Mas, ao mesmo tempo, a China há muito que tenta
infiltrar-se em São Tomé e Príncipe e realiza isso com êxito. As ações
chinesas já se afirmaram firmemente na economia desse país."
A
atenção da China para com África é explicada também pelo crescente peso
político na arena mundial. As relações com África são parte da
estratégia de Pequim com vista a criar uma nova ordem mundial. A China
necessita de apoio nas organizações internacionais. Precisa de aliados
no confronto com os EUA, bem como na consecução do objetivo que se
reflete na fórmula: “no mundo há apenas uma China e Taiwan é sua parte
inseparável”.
A China aposta também na África na questão
dos direitos humanos, objeto de constantes discussões com o Ocidente.
Por isso, os países do continente, muitos dos quais lembram-se da ajuda
de Pequim na luta pela independência nacional, passaram a ocupar um
lugar importante na estratégia chinesa de criação de um bloco de países
do "Sul", considera Tatiana Deich:
"O princípio da
política externa chinesa em África tornou-se um: a não ingerência nos
assuntos internos de outros países. Eles contrapõem-se aos países
ocidentais que sempre ligaram a sua ajuda a África a algumas condições
obrigatórias, assinala Tatiana Deich. Por exemplo, Angola pediu um
empréstimo ao FMI em 2004. Este último exigia mudanças na política, no
respeito dos direitos humanos. Mas a China concedeu o empréstimo sem
quaisquer condições e em grande envergadura. E, hoje, a presença da
China é visível não só nos Estados com grandes riquezas naturais, mas
também com os que não possuem riquezas semelhantes. A China ajuda também
esses países enviando para eles os seus médicos, técnicos, professores,
cria a infraestrutura necessária."
Na África trabalham
cerca de 18 mil médicos chineses. Chegam em brigadas, constroem
hospitais. Em alguns países já foram criados centros especiais de
combate à malária, afirma Tatiana Deich. Verdade seja dita, os
especialistas ocidentais encontraram uma falha nisso: as máquinas
fornecidas chegam com instruções em chinês. E as máquinas ficam paradas,
não são utilizadas até que os africanos não encontram especialistas.
Mais
uma preocupação: medicamentos contrafeitos. A China utiliza habilmente o
fato de na África não existir o devido controlo e não haver
praticamente sistemas de distribuição dos produtos e serviços, frisa
Tatiana Deich.
Mas na África não só entra a medicina
chinesa, mas também a cultura e a ciência. São assinadas dezenas de
acordos nessas esferas e eles, o que é o principal, realizam-se. Hoje,
as posições da China aí não podem ser comparadas com as ocidentais, tão
grandes são as envergaduras. No ano passado, as trocas comerciais entre a
África e a China atingiram os 198 milhões de dólares. Se, no início do
milênio, a China "inundava" África com produtos da sua indústria
ligeira, nos últimos anos, começaram a chegar aí computadores,
maquinaria, novas tecnologias. Os chineses lançaram um satélite
nigeriano. Foi à segunda tentativa, mas foi, recorda Tatiana Deich. E
isso permite estabelecer comunicações com regiões remotas na Nigéria e
noutros países.
As relações da China com a África do
Sul desenvolvem-se de forma mais intensa. O país tornou-se membro do
BRICS. E, através dessa organização, a China exerce também influência
nos estados africanos. Angola vem em segundo lugar pela importância e
Moçambique vem a seguir.
A diplomacia dá também forte
apoio ao avanço econômico da China em África. Nos últimos anos, todos os
líderes chineses visitaram o continente. Por exemplo, Hu Jintao
visitou-o seis vezes: duas vezes como vice-presidente e quatro como
presidente da República Popular da China. Estabeleceu-se a tradição de
começar o ano novo com uma visita do ministro das Relações Exteriores da
China a África. A participação da China na manutenção da paz visa
convencer os estados africanos a ver na China uma grande potência, mas
pacífica, que defende os interesses deles e, ao mesmo tempo, um
contrapeso à influência do Ocidente.
O número de
chineses que vivem e trabalham em África situa-se, segundo várias
fontes, entre 700 mil e 1 milhão. Nuns países são muitos, noutros são
poucos. Tudo depende dos governos desses países, da sua reação à
presença dos chineses. Existe uma diáspora chinesa que vive em África há
muito tempo, mas há trabalhadores que foram temporariamente, mas
ficaram. Há ilegais que se tornam um problema para alguns países.
Os
chineses são frequentemente criticados pelo fato de fazerem
concorrência aos trabalhadores locais. Recentemente, um político
moçambicano declarou: "Como é que a China se pode considerar um país em
desenvolvimento se ela tira o pão ao nosso pobre país?". Colisões
claramente desagradáveis. E exemplos desses são cada vez mais: na África
do Sul, na Nigéria, no Congo, em Moçambique, no Quênia e noutros
países.
Em resposta às queixas, a China reforma
rapidamente a sua ajuda e começa a criar na África centros de preparação
profissional, sem abandonar o mercado comercial e econômico, mas
reforçando a sua presença.
A China controla a concessão
de créditos com objetivos definidos no local, apostando na realização
de projetos de desenvolvimento socioeconômico. Segundo Wen Jiabao,
dirigente do Conselho de Estado da China, aos países do continente foi
prestada ajuda na realização de mais de mil projetos na agricultura,
indústria, energia, infraestruturas e noutras esferas.
A
ajuda chinesa não é transparente, os seus números, regra geral, não são
revelados, são publicados dados extremamente contraditórios. Não
obstante, é evidente que Pequim se transforma num doador considerável
dos países de África, concedendo-lhes anualmente uma média de 1-2
milhões de dólares de ajuda.
Como já foi assinalado, o
Fórum China-África e as suas pomposas cúpula com a participação de
dirigentes dos países africanos contribui para o aumento do prestígio da
China em África. Ao investir na extração de matérias-primas, a China,
ao mesmo tempo, torna-se o principal jogador na esfera da infraestrutura
africana, que necessita muito de investimentos.
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