7 de novembro de 2016
De acordo com programa federal, russos têm direito a hectare de terra, desde que se comprometam a usá-la. Sucesso de iniciativa esbarra, porém, na corrupção local.
Despovoamento da região é marcante desde o fim da União Soviética Foto:Lori/Legion media
Você já sonhou em receber lotes de terra para suas necessidades pessoais sem precisar pagar por isso? Muitos russos já podem realizar esse sonho, porém, com uma única condição: o terreno em questão será situado no Extremo Oriente – a cerca de 4.000 quilômetros de Moscou – e em uma zona de perspectivas incertas para agricultura.
De acordo com uma lei aprovada na metade de 2016, os cidadãos do país podem obter um hectare (2,47 acres) como propriedade pessoal desde que se comprometam a desenvolvê-lo em um período de cinco anos. Para obter o terreno, basta entrar com um pedido no site Para o Extremo Oriente (apenas em russo).
Breque no êxodo
A ideia de doar terras não utilizadas ou subutilizadas é uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento do Extremo Oriente russo para conter um dos grandes problemas enfrentados pelas autoridades locais: o contínuo despovoamento da região.
Os territórios do Extremo Oriente, que compõem um terço do espaço geográfico da Rússia, possuem apenas 6,2 milhões de habitantes, o equivalente a menos de 4,5 de toda a população russa e um terço da população de Moscou.
Embora o governo já tenha investido tempo e dinheiro no povoamento dessas áreas, o índice demográfico mais alto no Extremo Oriente foi registrado no final da década de 1980, quando, motivada por grandes projetos de construção soviéticos e salários mais generosos, a população local atingiu a marca dos oito milhões.
No entanto, após a queda da URSS e o subsequente cancelamento dos projetos, as pessoas começaram a retornar à porção europeia da Rússia. Hoje, o número de pessoas que deixam a região caiu, mas a tendência não desapareceu por completo. Segundo os governantes de Moscou, é necessário não apenar conter esse fluxo de saída, mas também atrair uma nova força de trabalho para a região.
É por isso que, de acordo com a nova estratégia de distribuição de terras (parte de um projeto de 2011), a prioridade da Rússia é desenvolver as relações econômicas com seus aliados asiáticos, tornando a economia do Extremo Oriente mais dinâmica.
Infográfico: Aliona Répkina
Tamanho é documento
O projeto de doação de terras ainda está em fase inicial. Em junho passado, o Estado iniciou o processo em áreas piloto no Extremo Oriente e, em outubro, o procedimento passou a abranger a região toda. Além disso, o número beneficiados ainda é restrito, mas, a partir de fevereiro de 2017, todos os russos serão elegíveis ao programa.
Nos primeiros meses de implantação do projeto, também já foi possível identificar uma série de problemas, entre eles o tamanho da terra doado.
Para construir uma datcha (casa de campo) e iniciar o cultivo para subsistência, um hectare é suficiente, segundo os especialistas. No entanto, no caso de uma empresa agrícola, que atrairia outros migrantes, a área doada é pequena para se estabelecer qualquer negócio agrícola.
No século 19, quando o Estado adotou uma medida semelhante, foram dados 17 hectares de terra para cada membro masculino de uma família, enquanto homens com mais de 17 anos e pertencentes ao batalhão cossaco Ussuri receberam 32 hectares cada.
De acordo com Kirill Stepanov, vice-ministro do Desenvolvimento do Extremo Oriente, mais de 120 lotes já haviam sido transferidos até meados de setembro, e os moradores receberão mais 250 lotes no futuro próximo.
Os números sugerem, porém, que há pouca demanda por terras livres entre os moradores locais, já que a pasta estaria disposta a doar até 600 milhões de hectares.
“A maioria das pessoas que receberam terra até agora são aquelas que já as usavam extraoficialmente como datchas e decidiram legalizar seu uso. Por essa razão, lotes que mediam menos de um hectare – ou até muito menos – foram registrados”, diz Serguêi Mingazov, editor da agência local de notícias AmurMedia.
Lama política
As autoridades federais acreditam que o projeto tem sucesso limitado devido a ações de sabotagem por oficiais locais. Outro problema se refere à impossibilidade de alcançar os lotes por via terrestre carro – além de muitos estarem bloqueados por outros lotes, eles ficam longe de estradas e carecem de infraestrutura básica.
Além disso, segundo o CEO da empresa de exploração agrícola Rusargo, Maksim Basov, existe hoje um fenômeno especial no Extremo Oriente.
“As empresas chinesas usam a terra; embora pareçam oficialmente disponíveis, essas áreas estão, de fato, ocupadas”, disse Basov em entrevista à revista “Expert”.
A Rusargo desenvolve ativamente a produção agrícola na região, e a expectativa é que o novo programa ajude a iniciar o processo de legalização do uso dessas terras.
O vice-primeiro ministro e embaixador plenipotenciário presidencial para o Distrito Federal do Extremo Oriente, Iúri Trutnev, visita com frequência todas as regiões do Extremo Oriente para avaliar pessoalmente o andamento do projeto.
Em agosto passado, Trutnev ordenou ao Ministério do Desenvolvimento do Extremo Oriente que obtivesse dados atualizados das pastas da Defesa, dos Recursos Naturais e do Transporte para reconsiderar quais lotes poderão ser doados aos civis.
Ele também pediu ao ministério local que crie um mecanismo para doar um hectare do Extremo Oriente a menores de idade russos que não tenham passaporte. Isso permitirá, segundo Trutnev, que famílias com crianças obtenham “não um, mas quatro ou cinco hectares, integrando-os à vida econômica do país”.
Em entrevista à TV russa em junho, Trutnev ressaltou o problema da corrupção entre as autoridades locais, ao se referir sobre a quantidade de terras no Extremo Oriente que não estão sujeitas à distribuição.
“Para ser sincero, quando encontrei os governadores e vi esses números, eu falei a eles sobre a quantidade de terra restante, isto é, de terras ‘deixadas para mim’”, disse.
Entre os casos mais emblemáticos estão o Distrito Autônomo de Tchukotka (no extremo nordeste da Rússia) que reservou apenas 1% das terras para doação, e a vizinha Magadan, onde 74% da terra não está sujeita à distribuição.
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