Michel Temer, “líder de uma organização criminosa”, foi preso no âmbito da Lava-Jato

Caso envolve suspeitas de favorecimento de uma empreiteira na construção de uma central nuclear. Foi também detido um ex-ministro.
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UESLEI MARCELINO / REUTERS
Escassos três meses depois de abandonar o Palácio do Planalto, Michel Temer passou esta quinta-feira a ser o segundo ex-Presidente da República atrás das grades. Temer foi detido em São Paulo a pedido dos procuradores da Operação Lava-Jato, numa altura crítica para o futuro das investigações.
Em poucas horas, a Polícia Federal (PF) derrubou o que o juiz responsável pela Lava-Jato no Rio de Janeiro, Marcelo Bretas, descreveu como “o Quadrilhão do MDB [o partido de Temer]” da qual o ex-Presidente era o “líder”. Para além de Temer, foi também alvo de prisão preventiva o seu ex-ministro das Minas e Energia, Moreira Franco, e o coronel da Polícia Militar, João Batista Lima, amigo pessoal do ex-Presidente e identificado como o seu “operador financeiro”, e sete empresários.
A investigação aponta a existência de um esquema de cartel, corrupção activa e passiva, lavagem de dinheiro e fraudes em concursos públicos no processo de construção de uma central nuclear no Rio de Janeiro. O caso partiu das denúncias feitas pelo dono da construtora Engevix, José Antunes Sobrinho, que disse ter pago a Lima um suborno de um milhão de reais (230 mil euros) para garantir a construção da central nuclear de Angra 3 em 2010, com “a anuência” de Temer.
Segundo a imprensa brasileira, Temer terá sido apanhado de surpresa e, em conversa com um jornalista da CBN, do grupo Globo, descreveu a sua detenção como uma “barbaridade”. O Movimento Democrático Brasileiro (MDB) saiu em defesa do seu ex-líder e disse que as investigações em causa demonstraram que “não há irregularidade” na conduta do ex-Presidente e do ex-ministro.
Há muito tempo que Temer estava implicado nas malhas da Lava-Jato – o político veterano foi acusado formalmente pela procuradoria-geral três vezes e é suspeito em dez casos da Lava-Jato. Com a sua saída da presidência, Temer perdeu a imunidade concedida pelo chamado “foro privilegiado”, que permite apenas ao Supremo Tribunal Federal (STF) julgar titulares de certos cargos públicos. Vários dos casos que o envolvem foram transferidos para tribunais de primeira instância, como aquele que deu a ordem de prisão esta quinta-feira.
A profusão de casos judiciais a envolver o seu nome assim que chegou ao Planalto tornou praticamente impossível a Temer governar: o Congresso percebeu-o como um líder a prazo e arrastou os pés em quase todas as propostas, enquanto o eleitorado brindava-o com uma das taxas de popularidades mais baixas de um Presidente desde a redemocratização. Para trás ficavam quatro décadas de negociação política, a arte em que Temer se tornou exímio e que lhe conferiu um relevo que as urnas nunca lhe deram.

Contra-ataque

A sua prisão surge num momento particularmente tenso para a Lava-Jato, que vê a sua existência ameaçada. Na semana passada, o STF emitiu uma decisão que terá como principal efeito a transferência dos casos que envolvam suspeitas de crimes eleitorais para os tribunais da vara eleitoral, e não da criminal como até agora. Os procuradores que integram a equipa da Lava-Jato denunciaram a decisão como um ataque às investigações e encontraram eco no clima ainda polarizado que marca a sociedade brasileiro desde que os primeiros políticos foram presos.
Dias antes, os procuradores tinham sofrido uma outra derrota com a suspensão da criação de um fundo que tinha como objectivo utilizar o dinheiro recuperado nos desvios na Petrobras para apoiar projectos e iniciativas de combate à corrupção. A ideia foi encarada com muita desconfiança, especialmente por conferir ao Ministério Público o papel de gestor de um fundo, uma função que segundo vários especialistas entra em contradição com as suas competências.
Alguns analistas interpretaram a detenção de Temer e dos seus aliados como parte desse combate nas sombras entre os procuradores da Lava-Jato e o STF. O doutorando da Universidade de São Paulo (USP), Horácio Neiva, escrevia no Twitter que a denúncia que desencadeou o caso foi recebida em 2017 e que entretanto não houve qualquer facto novo. “Temer pode ser bandido — mas é difícil não acreditar que foi um acto de propaganda no jogo de poder da Lava-Jato”, afirmou.
A XP Política, uma empresa de análise de investimentos, analisou o impacto da prisão de Temer, num boletim citado pelo El País Brasil, e concluiu que os procuradores “reagem às derrotas que sofreram nas últimas semanas” e “precisavam de uma vitória para mostrar força e buscar apoio popular”.
Em termos políticos, a detenção de mais uma das grandes figuras da política brasileira nas últimas décadas é uma boa notícia para o actual Presidente, Jair Bolsonaro, que fez da luta contra a corrupção a sua grande bandeira eleitoral. “A prisão de Temer traz à tona novamente um dos esteios da onda de direita que levou o improvável Bolsonaro ao Planalto: a ideia de que o sistema está podre e precisa ser moralizado”, escreve o jornalista Igor Gielow, na sua coluna na Folha de São Paulo. A coincidência com o dia de aniversário de Bolsonaro é apenas um bónus.