Cerca de 20% dos cidadãos israelenses são árabes palestinos
O amplo intercâmbio entre o hebraico, idioma dos judeus israelenses, e o árabe falado por palestinos tem criado um novo dialeto, apesar do conflito entre os dois povos, diz um livro recém-publicado em Israel.
Walla Beseder, de autoria de Abd Al-Rahman Mar'i, professor de Literatura hebraica da Faculdade Beit Berl, ao norte de Tel Aviv, traz um léxico com milhares de palavras hebraicas que foram integradas ao árabe falado pelos palestinos cidadãos de Israel.
Em entrevista à BBC Brasil, Mar'i disse que a influência entre os dois idiomas é "recíproca". Porém, como o hebraico é a língua hegemônica em Israel, seu impacto sobre o árabe falado é bem maior.
"Podemos mencionar milhares de palavras hebraicas integradas ao árabe e centenas de palavras árabes integradas ao hebraico", disse o professor.
Em seu livro, o professor analisa esse fenômeno linguístico e cultural. O próprio título da obra é uma expressão idiomática amplamente utilizada tanto por judeus como por árabes, e que inclui uma palavra em árabe (walla – "de verdade", em tradução livre) e outra em hebraico (beseder – que significa "tudo bem").
Comunicação
Palavras relacionadas a tecnologia, medicina, economia e burocracia são diretamente integradas ao árabe falado pelos palestinos de Israel.
"Os médicos árabes estudam e trabalham em instituições israelenses nas quais a língua utilizada é o hebraico. Quando voltam para suas cidades usam os termos hebraicos na comunicação com os pacientes e assim essas palavras rapidamente são integradas na língua falada", disse o professor.
Livro contém léxico com milhares de palavras hebraicas incorporadas ao árabe
O mesmo acontece em todas as instituições públicas, nas quais a língua oficial é hebraico.
"Outro setor do público árabe fortemente influenciado pela língua hebraica é composto pelos acadêmicos. Estudantes árabes frequentam as universidades israelenses, em hebraico, e passam a integrar muitos dos termos que aprendem na linguagem falada no dia a dia", explica o professor.
"Vale lembrar que no árabe temos de fato duas línguas – o árabe falado e o árabe literário – muito diferentes. Quando falamos de integração e do 'arabraico' nos referimos ao árabe falado e não ao literário."
Minoria
Cerca de 20% dos cidadãos israelenses são árabes palestinos e, segundo Mar'i, "como minoria, para viver em Israel os árabes precisam saber hebraico".
Mas os árabes nem sempre foram minoria na região onde hoje existe o Estado de Israel.
Para o professor de língua árabe Ali Al-Azhari, até a fundação de Israel, em 1948, a influência do árabe sobre o hebraico era bem mais intensa.
"Antes da Nakba (tragédia palestina), a direção da influência entre as duas línguas era inversa. Durante o longo período em que os judeus eram minoria na Palestina eles absorveram não só a língua como também os costumes e a cultura árabes, então hegemônicos na região", disse Al-Azhari à BBC Brasil.
"Naquela época, as fronteiras com todos os países árabes no Oriente Médio ainda estavam abertas e havia aqui uma livre circulação de egípcios, iraquianos, sírios e libaneses", afirmou. "Naquelas circunstâncias, os membros da comunidade judaica na Palestina se sentiam minoria e tinham que absorver a língua local para viver seu dia a dia."
Os palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza também foram fortemente influenciados pela língua hebraica.
Até o início dos anos 1990, a maioria dos palestinos dos territórios ocupados na Guerra de 1967 trabalhava em Israel e aprendeu o hebraico.
No entanto, com a escalada da violência na região, Israel fechou as fronteiras e hoje em dia apenas uma minoria dos palestinos da Cisjordânia trabalha dentro de Israel.
Nessas circunstâncias, só os palestinos mais velhos sabem hebraico. Os jovens que moram nos territórios ocupados apenas entendem termos ligados à presença militar israelense na região, como a palavra "mahsom" (que significa ponto de checagem).
Não há palestino que não saiba o significado de "mahsom", já que são constantemente obrigados a passar por inúmeros postos de controle militares que pontilham toda a Cisjordânia.